Artigo sobre "Mais um dia de Vida" pelo cinéfilo Hugo Tiago



“Mais um Dia de Vida”, de Raúl de La Fuente e Damian Nenow, que foi apresentado este domingo na Recreio dos Artistas, é a adaptação ao cinema da obra “Mais um dia de Vida Angola 1975”, de Ryszard Kapuscinski.

Ryszard Kapuściński nasceu 1932, em Pinsk, uma cidade das Kresy Wschodnie, que à época era polaca e atualmente faz parte da Bielorrússia, vindo a falecer em VarsóviaPolónia, a 23 de janeiro de 2007.

Tendo começado a sua carreira jornalística aos 17 anos, Kapuscinsky foi correspondente de guerra e, mais tarde, escritor.

Terá presenciado 27 revoluções e golpes, esteve em 12 frentes de guerra, e foi condenado ao fuzilamento por quatro vezes.

A sua reputação foi construída com as suas reportagens de África, nas décadas de 1960 e 1970, quando testemunhou em primeira mão o fim dos Impérios coloniais Europeus.

E é a obra “Mais um dia de Vida – Angola 1975”, que é apontada como o despontar da carreira de um grande escritor, ainda que até ali tivesse sido um dos mais reputados repórteres de guerra.


Nesta obra, temos o relato do que se viveu em Angola entre a retirada das forças portuguesas (militares e administrativas) e a independência (com o início da guerra civil).

Importa, portanto, sublinhar que se trata de um relato de alguém vindo do lado de lá da cortina de ferro, em plena guerra fria, com um olhar sobre os acontecimentos apenas tão imparcial quanto era possível.

Trata-se, de resto, de uma obra a todos os níveis notável (está editada em Portugal pela Tinta-da-China), essencial para a compreensão dos acontecimentos (a ler a par das obras “O Retorno” da portuguesa Dulce Maria Cardoso, e “Dália Azul, Ouro Negro”, do Inglês Daniel Metcalfe, por coincidência (ou talvez não) também editadas em Portugal pela Tinta-da-China.

O filme é, antes de mais, uma obra muito pouco comum.

Mistura animação, com documentário e entrevistas obtidas 40 anos depois com algumas das personagens reais daquele relato.

Numa época em que a animação é reservada ao cinema infanto-juvenil (pelo menos no ocidente, já que no Japão as coisas são um pouco diferentes), com as imagens geradas por computador a permitirem que a imagem real e a animação quase se confundam, temos um filme com temática adulta e uma narrativa realista a apresentar-se ao grande público com imagens animadas.


É claro que será de citar o “Valsa com Bashir”, de Ari Folman, sobre a invasão israelita do Líbano em 1982.

Eu citaria ainda o “American Pop”, de Ralph Bakshi, embora este não seja sobre nenhum conflito armado.

Mas vai valer a pena a quase hora e meia que passarem a ver o filme.

Porque a narrativa vai muito para lá da ótica jornalística daquilo que podia ser um relato de guerra.

Temos imagens pungentes, como a sequência do camião de transporte de tropas, com todos os presentes a ter a sensação que iriam ser atacados a qualquer momento, ao longo de uma estrada que parece não ter fim.

Ou a forma como são ultrapassadas as barreiras na estrada, colocadas pelas várias fações em conflito.

E personagens quase épicas, como o oficial “Farrusco” ou a soldado Carlota (personagem que, só por si, justificava o filme, e que eu julgava totalmente ficcional até que vi as imagens da época incluídas na obra.

Vejam o filme, e leiam o livro!

Hugo Tiago, Cine-Clube da ilha Terceira

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